Sexo selvagem na biblioteca

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Desde pequena, sexo, livros e comida estiveram intimamente ligados na minha vida. Graças a isso, para mim não há homem feio. O que não suporto é homem que cuida do corpinho, mas esquece que os neurônios também são filhos de deus. O cara pode se assemelhar ao piolho da Tasmânia, mas se disser uma frase inteligente eu fico toda alvoroçada. É claro que se disser algo inteligente querendo parecer inteligente ou se achando o último pinto depois do holocausto nuclear, viro as costas na hora e vou comprar uma fanta-uva.

O fato é que, para mim, não há nada mais afrodisíaco que uma frase inteligente, mais ainda se ela me fizer rir, o cheiro de livro velho e alguma coisa para mastigar. Por isso eu tenho um Ipad, mas sigo frequentando sebos. E sofro de bloqueios para fazer dieta. Resumindo. Minha equação erótica é: homem inteligente + biblioteca + comida = sexo selvagem.

E aí há um ponto intrigante: por que sexo selvagem? Passei anos buscando a fonte desta combinação que chegou a me causar alguns problemas ocasionais com a lei. Horas e horas de divã. Hipnose, florais e, num ato de desespero, cheguei a fazer uma regressão a outras vidas. Apenas para descobrir que a soma das vidas passadas, pelo menos as minhas, resultaram num profundo tédio ao longo das eras. Ainda bem que a gente não lembra, senão ia preferir dormir a nascer.

E então, bingo. Agora pela manhã tive um insight. Do tipo um clarão no cérebro com trilha do Gênesis. Aconteceu quando eu tinha 11 anos. Eu precisava pesquisar algum tema do fascinante currículo da quinta série e peguei uma carona com o meu pai para a biblioteca da faculdade numa noite em que ele daria aula. Era a maior biblioteca que eu já tinha visto e, o melhor, tinha salinhas. Me fechei numa salinha com uma pilha de livros jamais lembrarei sobre o quê. Sou muito sensível a atmosferas. Posso ficar horas parada, aparentemente não fazendo nada, mas na verdade estou vasculhando o ambiente.

A biblioteca ficava praticamente no meio de um bosque. E à noite a vida se impunha. Mariposas cometiam suicídio atirando-se contra a lâmpada fluorescente. Insetos caminhavam sobre a mesa com um número improvável de patas. Pernilongos produziam um remake cinematográfico de A comilança no meu corpo. Então eu vi. O louva-a-deus. Ou melhor, a louva-a-deusa. Acompanhei passo a passo o sexo mais eletrizante de toda a minha vida com medo de respirar e quebrar o encanto.

Anos depois eu participaria de uma caravana para assistir ao Império dos sentidos no cinema da cidade pequena, supervisionada pela irmã casada de uma amiga. Ao perguntar minha opinião no final do filme, minhas colegas ficaram chocadas. Eu apenas esbocei um “puff”. Aos 14 anos, eu já tinha visto coisa muito mais impactante.

E tinha mesmo. Ali, na biblioteca, o louva-a-deus perdeu a cabeça. Literalmente, enquanto gozava (ou pelo menos eu espero que sim). Como diria o biólogo Alessandro Boffa no genial Você é um animal, Viskovitz?, ao terminar, ainda mastigando, a superfêmea resmungou: “Crocante, rico em fibras”. Fiquei extasiada. Até hoje, quando vejo aquelas mulheres alfas desfilando por aí com seus sapatos de matar barata em canto, eu digo: puff. Poderosa mesmo é a louva-a-deusa.

E foi assim que tudo começou para mim. O meu ponto zero. Nos próximos anos, seria a vez de a minha família ficar extasiada com minha paixão pelos estudos, amplamente pavoneada para parentes e amigos reunidos na mesa de refeições. “Esta guria não sai da biblioteca.” E eu só mastigando o franguinho de domingo. Por enquanto.