A pedra

Andava rápido pelas ruas de Roma. Queria comprar óculos de sol. No Brasil, os mesmos óculos custam três vezes mais, às vezes até quatro. Prada, Giorgio Armani, Dolce & Gabbana. Desta vez, só desta vez, se renderia às grandes grifes. Era o que falava para si mesma enquanto os olhos perscrutavam vitrines com a ajuda de lentes de grau. Afinal, convencia-se, óculos precisam ser bons para não prejudicar os olhos. Não estava sucumbindo aos apelos eloquentes do consumo, apenas fazendo uma compra consciente, quase uma questão de saúde ocular. Pisando distraída no universo das marcas, esqueceu-se de olhar para o chão. E o chão veio até ela, quadriculado no mosaico antigo.

A dor no pé alcançava o fígado, mas ela já tinha vergonha suficiente, não precisava aumentá-la berrando no meio da Via dei Condotti. Deu um sorriso desajeitado e falso para quem lhe perguntava se estava tudo bem. Tutto bene, molto bene, respondia. Putaquiopariu! Quando voltou a enxergar com nitidez, procurou a origem de sua desventura. E lá estava ela. Uma pedra maior que as outras, desencaixada.

Uma pedra basilar. Antiga, muito antiga. Talvez estivesse ali desde o tempo do Império Romano, possivelmente até antes, muito antes do próprio Cristo, na época em que os cristãos viravam comida de tigres e de leões no coliseu. Ou, não era impossível, ainda antes de Rômulo e Remo. A pedra, de qualquer modo, ali ou em outro lugar, existia desde antes das lendas e de toda a mitologia. Antes dos homens.

Era uma parte nova da alma que lhe doía agora, ao descobrir que a pedra estaria ali quando o último osso do seu corpo fosse devorado pelos vermes. Estaria neste mundo quando o fêmur do corpo do seu neto e do seu bisneto e do seu tataraneto e daqueles para os quais não faz sentido inventar palavras para nomear porque são distantes demais fossem devorados por uma geração de vermes bilhões de vezes à frente daquela que a tinha deglutido. A pedra, por ser pedra, estaria ali ou em qualquer outra coisa na qual o planeta se transformasse. E ela, por ser carne, passaria fugaz como um cometa para o tempo das pedras.

Uma lágrima sua pingou na pedra. E em seguida foi pisoteada por um pé. Ela entrou na ótica e usou seu cartão de crédito dourado para se endividar com os óculos mais caros que encontrou. Tão escuros que, ao sair, não enxergou mais a pedra, que tinha ficado para trás.

Mais tarde, tomando um capuccino, pensou que la vita è bella. E as pedras não podem saber disso.