Nhec nhec nhec

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

O barulho continuava, mas ela parecia não perceber. Comentava animadamente sobre a revanche de Nina contra Carminha na novela das oito, satisfeita com a aparência do almoço caprichado que preparava desde a noite anterior para um grupo de amigos que tinham vindo conhecer o apartamento novo.

Nhec nhec nhec.

Que barulho é este?, perguntou um, com uma ponta de irritação no “este”.

“É a máquina de lavar roupa”, ela esclareceu, continuando a descrever o último capítulo para os que tinham perdido. Jura?, insistiu uma amiga, interrompendo. “Sim, a Nina humilhou a Carminha desse jeito que estou contando.” Não!, voltou a amiga. Jura que esse barulho chato é da máquina de lavar? Ela bufou um pouco, mas controlou-se a tempo. “É que vocês chegaram no molho prolongado, por isso não tinham escutado ainda.”

Mas você precisa mesmo lavar roupa agora?, um outro inquiriu, deixando o garfo cair no prato, um cogumelo empalado na transversal. “Sim, eu preciso”, respondeu ela, um pouco ofendida. Mas não dá pra deixar pra depois da sobremesa?, tentou o marido, tremendo ligeiramente os lábios. “Não, não dá, se deixar vou perder o sol da tarde.”

Nhec nhec nhec… A máquina parecia gargalhar da área de serviço, quase na sala por conta dos 50 metros quadrados de área total que eles pagariam por 25 anos. De fato, naquele momento eram donos de no máximo um metro quadrado, talvez o da máquina de lavar roupa.

“Eu me sinto segura quando estou lavando roupa”, explicou ela, enquanto colocava uma cereja para finalizar a mousse. Como?, perguntou o amigo de infância do marido, ameaçando um riso, mas imediatamente recolhendo os dentes ao perceber que ela falava sério. “A vida é esta merda que a gente não controla, coisas ruins acontecem o tempo todo, as pessoas morrem de repente ou nem tão de repente, meu imposto caiu na malha fina, a gente mal se mudou e o vizinho já tá reclamando de vazamento no banheiro…”

Enquanto falava, uma cereja escorregou da mesa e esborrachou-se, sujando o taco encerado. “É isso… Tudo fora de controle. A máquina, não. Eu programo e tudo acontece exatamente como o planejado. Eu aperto os botões, eu ligo, desligo, centrifugo, deixo de molho, enxáguo.” A voz dela tornava-se estridente quando ficava nervosa. “Se não fosse a máquina de lavar roupa, eu nem conseguiria sair de casa!”

Ao dizer isso, percebeu que a carne da cereja morta respingara no seu sapato novo. Desandou a chorar, desandando a mousse, o almoço e a maquiagem, tudo ao mesmo tempo. Correu para o quarto e bateu a porta como uma adolescente mimada, deixando o marido a torcer as mãos na sala. E o Neymar? Vocês viram o passe de calcanhar na Olimpíada de Londres?

Um por um, os convidados inventaram uma desculpa e, em 10 minutos, o marido estava sozinho na sala. Esgueirou-se até a porta fechada do quarto. Mas, quando se preparava para bater, acabou encolhendo a mão e andando de volta até a sala, na ponta dos pés.

Ficou um tempo ali, deitado no sofá de dois lugares que só acolhia metade dele. De repente, levantou-se num salto. Caminhou resoluto até o cesto de roupa suja. Lá de dentro espiavam-no duas camisetas, uma calça de abrigo, um jeans, uma saia, dois pares de meia e uma cueca. O suficiente para uma lavada em nível médio. Abriu um sorriso que ainda guardava um pouco do menino.

Nhec nhec nhec.