Anônima fama

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Como eu faço para ser um homem comum? É o que ele se pergunta diante do computador. Ele não dá conta dos emails, não tem nenhuma ideia genial para o twitter, não sabe o que fazer com os amigos do facebook. O celular toca sem parar, os torpedos se sucedem aos minutos. Desconhecidos querem saber o que ele pensa da revolução no mundo árabe ou sobre o antissemitismo de Galliano. Ele não sabe o que pensa. Ele prefere às vezes nem pensar, ele não sabe o que pensa de quase nada. Ele não sabe nem o que pensa da própria vida. Ele não sabe nem se pinta a parede da cozinha de branco ou bege.

Ele não sabe como escapar, o mundo avança sobre ele por frestas virtuais, as pessoas o alcançam quando querem, não há mais portas, ele está acuado. E quando vai dormir o mundo acorda dentro do cérebro dele e ele já não consegue dormir. Porque todas as respostas que não deu e todas as perguntas que sabe que chegarão no dia seguinte falam dentro da sua cabeça. Ele não dorme com esse barulho que acorda também o seu coração que dispara e aí sim que ele não dorme porque pensa que vai enfartar sem ter colocado os emails em dia.

Pelo amor de deus e ele nem acredita em deus que o paraíso não tenha internet nem celular nem câmeras nem nenhum tipo de tecnologia. Que o Clint Eastwood esteja totalmente errado e que ninguém tente lhe contatar no além. Silêncio por favor! Mas não morre. Depois de muitas horas com as unhas cravadas no teto como numa tirinha do Angeli ele dorme e acorda com o computador avisando que o antivírus foi atualizado e ele está seguro.

Todo dia todo dia todo dia o mundo arranca nacos dele com dentes cibernéticos. Ele é só um homem com um passado mais ou menos comum e com um presente mais ou menos comum e com um futuro de incerteza mais ou menos comum. E os analistas todos do mundo e os psicanalistas do mundo e os filósofos do mundo e os nerds do mundo e o dono do bar da esquina comemoram que agora o homem comum pode falar e contar a sua vida e dar o seu depoimento e principalmente a sua opinião porque a internet realizou o lema da revolução francesa. E ele não sabe como contar que suas opiniões são do senso comum ainda que ninguém mais seja comum.

Para para para. Ele não consegue parar. Ele não quer nada disso. Ele só quer ser comum e anônimo e não ter de dar resposta sobre nada para ninguém e não ter de ser engraçado e não ter de ser inteligente e não ter de ser ácido e não ter de ser politicamente incorreto ou correto ou crítico ou progressista. Ele não quer ser seguido no twitter porque nem sabe para onde vai. Ele não quer ter amigos no facebook porque não conhece esses amigos nem conseguiria dar atenção a tanta gente. Ele não quer ter de gravar nem filmar nem fotografar nem denunciar nada. Ele não quer principalmente ter opinião sobre porra nenhuma.

Ele só quer ser o que é, que ele não sabe. E não ter de falar sobre isso.

Mas ele não sabe como parar nem o que fazer se parar. Então ele tuita seu dilema, ganha mais 203 seguidores no twitter e 135 novos amigos no facebook e dá sua opinião engraçadinha sobre Kadafi e brinca com os nomes do Gadafi e segue sua rotina taquicárdica até morrer anônimo e comum e deixar como marca virtualmente nada porque o mundo já tem outros assuntos e outros mortos.