Escrever um romance

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Aconteceu antes da primeira palavra. E começou quando mergulhei de cabeça na escuridão oceânica do meu dentro. E descobri que se repetia ali o que acontecia do lado de fora. Eu nunca consegui aprender a dar um bico na piscina. Eu mirava, curvava meu corpo e, na última hora, levantava a cabeça porque intuía que, se a enfiasse até o fundo, talvez nunca mais pudesse emergir. Então batia a barriga com violência na parede da água e seguia na superfície. Tantas vezes que minha barriga se tornou uma faixa vermelha e o professor de natação desistiu de mim. Eu nadava bem, em braçadas fortes e rápidas, mas não mergulhava. Foi assim também naquela noite de mim em que anunciei em silêncio: agora é tarde demais para voltar atrás. E choquei a barriga contra o mar nebuloso do meu inconsciente, com um estrondo que acordou o homem que dormia. O que foi? Tive um pesadelo. Eu me afogava. É só um sonho, ele disse. Não era.

Nadei ali por algum tempo, acreditando que precisava apenas tomar cuidado para não engolir água com xixi e cloro, iludida de que era habitada apenas por uma piscina de quintal. Então fui puxada para o fundo por dentes de tubarão. Havia tubarões e monstros mitológicos no meu dentro que me trituravam, mas eu não morria. Eles me mastigavam, e eu renascia. Mas renascia mastigada. E, no outro dia de manhã, acordava como se não tivesse dormido. Você teve insônia, me perguntava o homem ao meu lado. Não, eu fui regurgitada na manhã. E era verdade. Por que fui casar com uma mulher tão intensa, eu pude ouvir o resmungo no banheiro.

Numa tarde, eu senti as placas tectônicas se movendo dentro de mim. Era isso, afinal. Não havia como pescar a palavra e retornar à superfície. Não haveria nunca mais um fora e um dentro. Ao atravessar de volta com a palavra, eu havia perfurado a porta entre os mundos. E agora eu podia apalpar o buraco. Mas não era capaz de tapá-lo. Nunca mais seria. Era como o tsunami da Tailândia, o terremoto do Japão, uma erupção na Islândia. Quando as placas se moviam nas funduras, um vulcão de nome cheio de consoantes irrompia em mim. O Eyjafjallajokull de você entrou em ação, disse o homem que me enxerga, alguns minutos antes de as cinzas cobrirem meu espaço aéreo.

Escrevi a última palavra e me enganei que o ponto final preencheria o vão entre o fora e o dentro. Tomei uma taça de vinho e comemorei a liberdade das portas fechadas. Naquele noite, acordei gritando: Eu estou vazando! E estava. Desde então, até agora, nunca mais parei de vazar.