“Pega no Jobim!” — e outras histórias de falo numa mesa de meninas

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ana Maria não sabe se acontece só com os homens que ela conhece. Mas, dado o fato de que está com 38 anos e já teve mais namorados do que sua mãe gostaria, dois maridos e dúzias de amigos, acredita que o fenômeno é um pouco geral. Refere-se à fixação no pinto. Você pensa que os homens só falam de mulher?, ela discursa numa mesa de bar com as amigas. Errado. Eles só falam de pinto. Seja ele um pedreiro, que ganhe a vida com as mãos, ou um intelectual daqueles que pontifica até sobre a marca da comida do seu cachorro, a preocupação de fato é com o falo. E continua, cada vez mais inflamada: por amor, por solidariedade, porque você sabe que não faz tanta diferença assim, seja lá o que se apresente diante dos seus olhos, uma mulher de verdade faz Óóóóóóóóóóóóóó da primeira à última transa. E deixa seu homem feliz e agradecido e disposto a amá-la melhor.

Nenhum homem sobrevive ao próprio pinto ser chamado de góli-góli ou bilu-bilu, ela ainda segue, agora já um pouco vermelha. Eles gostam de nomes como King Kong ou Godzilla. Então, finalmente as amigas entendem o porquê desse súbito discurso antropológico. Ana Maria desabafa. Ela está com um problema sério desde a semana passada. Ana Maria e o namorado assistiram ao Roda Viva com o Nelson Jobim e, contra todas as probabilidades, o programa afetou a vida sexual dos dois.

Impressionado com o tamanho do ego do ministro (que depois virou ex), o namorado da Ana Maria fez uma estranha relação e, naquela noite, pediu a ela que chamasse seu pinto de “Jobim”. Ana Maria não conseguiu — claro. “Pega no Jobim”, ele dizia. Ela bem que tentou, mas quando já estava a um milímetro, recuava. Resultado: há uma semana Ana Maria sofre de enxaqueca.

O tema empolgou a plateia. Em solidariedade à Ana Maria, Marlene resolveu contar a história de seu amigo Paulão. Ah, sim, elas conheciam Paulão muito bem. Paulão é aquele tipo de homem que habita o imaginário de todas as mulheres, independentemente de cor, origem geográfica ou classe social. Paulão é aquele tipo de homem que iguala o sexo feminino num suspiro uníssono. Ele é negro, grande e largo. Um metro e 97 centímetros de altura, um metro de ombros na largura, menos gordura no corpo do que um leite desnatado. Quando Paulão sorri, dá vontade de saber tocar piano. Para arrematar o que já era perfeito, por herança de um avô italiano safado e desaparecido, Paulão tem uns olhos verdes de gato.

E, o melhor de tudo, ele existe. Vocês sabem por que eu não vejo mais o Paulão?, diz Marlene, numa pergunta retórica. Vou contar. Lembram que Paulão era triste. Ele disfarçava, mas era triste. E nunca namorava ninguém. Sim, sim!, todas gritam. Paulão driblava as mulheres mais interessantes como se estivesse numa quadra de basquete. E, quando estava numa quadra de basquete, ele tinha sempre uma desculpa para não trocar de roupa no vestiário. Fato que, por si só, eliminava a hipótese de ele ser um gay escondido entre as camisas brancas impecáveis do seu armário.

Por que ele não namorava ninguém? Por quê? Por quê?, todas perguntavam ao mesmo tempo, e várias cabeças masculinas de outras mesas se viraram para prestar atenção. Então, eu só descobri a razão noites atrás. Lembram daquela madrugada que foi a noite mais fria do ano em São Paulo? Pois é. Eu e o Paulão tomávamos um vinho no tapete da minha sala, depois de termos assistido pela sexta vez ao Alien IV, aquele em que a Sigourney Weaver vira um clone. Ninguém lembrava, mas ela continuou mesmo assim. Pois ele me disse ali, talvez impressionado pelo monstro: “Eu tenho pinto pequeno”. Não!!!!! Sim, sim, eu também tentei disfarçar meu espanto, mas não consegui. “Viu só?”, ele me disse. “Isso que você nem viu. E nem está interessada em ver. E já fez essa cara de decepção.”

Sim, Paulão tinha seu pequeno falo entalado na garganta. Nestas horas, quando a ocasião é grave, vocês sabem que minha mente se desanuvia e eu me torno um modelo de racionalidade. Imediatamente comecei a seguir um método lógico. Deixa eu entender melhor, Paulão. Você sofre e evita se envolver com uma mulher porque acredita que seu pinto é pequeno. “Não acredito, ele é pequeno. Se eu fosse um homem de estatura normal, até que lidaria melhor com isso. Mas as mulheres olham para mim e esperam o Long Dong Silver, entende? Imagina, eu sou o clichê da potência sexual masculina do Ocidente. Negro e grande. (E lindo!, todas gritaram.) E aí, um pintinho de nada.”

Sim, Paulão era vítima do mito da raça. Ao desabafar, lágrimas cascateavam de seus olhos felinos. Tive de me concentrar muito para não fazer óin-óin na sua grande e bela cabeça de ébano. Não, pelo amor de deus, óin-óin não!, grita Carol. Se acalma, mulher, eu me segurei. Mas para de me interromper. E agora já dava para ouvir as moscas no bar. Mas, Paulão, vamos ser objetivos e trabalhar com fatos. Qual é o tamanho do seu pinto? “Quinze centímetros.” Mole? “Não! Duro. Viu, só? É disso que eu estou falando.” E desandou num tsunami.

Ah, meninas, eu respirei aliviada. Era uma bobagem. E eu sabia exatamente o que dizer.

Paulão, você está deixando a sociedade de consumo iludir você com sua propaganda enganosa. Eu posso garantir que seu pinto está acima da média do pênis… dos gaúchos, por exemplo. Não, não, não me olhe assim. Não estou falando de experiência prática, tenho comprovação científica. Eu li uma matéria sobre isso na Zero Hora quando passei um tempo casada com aquele gaúcho lá em Santa Maria. Um urologista fez essa pesquisa, cientificamente, acho até que tinha verba do CNPq. E, não posso lembrar os números exatos, mas era menos de 15 centímetros com toda certeza. Acho que em torno de 14, no máximo. Talvez 13 ou até 12. Duro.

“Você está dizendo isso só para me agradar”, fungou Paulão, ainda piscando lágrimas, mas já com um brilho no olhar.

Eu juro. Eu posso pedir para uma amiga localizar a matéria nos arquivos se você quiser. E você sabe muito bem como são os gaúchos. O mais belo pôr-do-sol do mundo, o povo mais politizado ao sul do Equador, o estado mais endividado da federação, os homens mais machos do Brasil… e o bigulino bem médio. O cara mediu. Está lá. Publicado.

“Não!”.

Nesta hora, contou Marlene, eu até me empolguei e me arrisquei na antropologia. Para que você acha que servem aquelas bombachas? Para criar o bicho solto? Nada disso. É para disfarçar a medianidade. Um pinto honesto, funcional. Esforçado. Nem mais nem menos que o de um baiano ou de um paraguaio, talvez menor que o de um argentino. Um pinto como outro qualquer, milhares de combinações genéticas depois, feito para procriar ou até brincar, mas não para impressionar.

Paulão se tornava um novo homem diante de mim. Autoconfiante. Pintudo. Até deu uma ajeitadinha no saco sobre a calça.

Paulão! Você está coçando o saco! É melhor ter pinto pequeno do que coçar o saco!

“Desculpa, desculpa, Marlene. Me empolguei.”

Pronto. Uma estatística idiota e o drama de uma vida inteira resolvido.

Quem entende os homens?, meteu-se Juliana. Calma, calma, o melhor vem agora, anunciou Marlene. Paulão saiu lá de casa andando diferente. Pernas afastadas. Queixo de espartano. E, desde então, não me liga. Está ocupado demais com seu novo olhar sobre o mesmo pinto.

Abandonada por um dos meus melhores amigos, fui possuída pelo mal. Depois de ouvir pela quinta vez sua voz de locutor de rádio na secretária eletrônica do celular, deixei um recado. Bem fofa a minha voz. E agora até o garçom está paralisado com a bandeja carregada de canecos de chope nas mãos, esperando o desfecho:

“Paulão, sabe aquela matéria que eu li lá na Zero Hora? Pois é. Pedi para minha amiga conferir no arquivo. Na verdade, a média do pinto dos gaúchos é de 20 centímetros. Mas não te preocupa, você é um cara muito bonzinho e as mulheres não se importam com o tamanho do pênis. O que importa, você sabe, é a inteligência.”

Não! Você não fez isso!, disseram todas elas e também o resto do bar.

Fiz. Faz cinco dias, já. E Paulão desapareceu. Será que se matou?

No resto da noite, o chope chegou quente na mesa das meninas.