As garotas hihihi

Se você já viajou por aí, deve ter visto uma garota hihihi. Em geral ela tem a constituição de um junco e, como ele, parece que vai quebrar. É branquinha, quase translúcida. Apresenta uns pequenos olhos orientais sempre meio esbugalhados, onde boiam toda a inocência do mundo. E um sorriso de dentes muito alvos que parece depositá-la inteira entre as mãos do interlocutor. A espécie hihihi só tem fêmeas. E ninguém ainda descobriu como se reproduz.

A bordo de sua aparente fragilidade, as garotas hihihi dão a volta ao mundo em passinhos de gueixa, mas enfiadas em tênis aerodinâmicos.

Desde as últimas décadas do século XX, há registro de espécimes hihihis nos cinco continentes. Deserto, mar, montanha. Sol de 40 graus, neve. Onde há viajantes, há também hihihis.

A espécie não se fixa. Está sempre de passagem, fazendo turismo. Tampouco anda em bandos. Seu comportamento é excludente com relação às iguais. Uma hihihi prefere estar sozinha entre nós. Precisa de um território circunscrito para exercer com desenvoltura seu modus vivendi.

Há poucos registros documentados de encontros de hihihis. Testemunhos afirmam que, quando dois espécimes se encontram, não fazem hihihi. Depois de alguma tensão, uma delas se afasta. Hihihis comportam-se como leões. Há apenas um por território. E um bando de não-hihihis ao redor. Nós.

Uma equipe de TV que percorria os caminhos motociclísticos do jovem Che Guevara pela América encontrou uma hihihi no deserto do Atacama. Acampando. Vinha de uma volta ao mundo, sozinha. Só falava umas poucas palavras de inglês, espanhol nem sabia que existia. Era capaz de montar a barraca em cinco minutos, com um bracinho nas costas. Mas quem seria maldoso de permitir que aquelas mãozinhas feitas para desenhar ideogramas pegassem no pesado?

Logo hihihi foi alimentada, afofada, protegida por todos. Diante das câmeras, o jornalista disse: “Você sabia que vai aparecer num programa de TV?”. E ela, com a mãozinha na boca: hihihi. E seguiu pelo mundo, sobre seus pezinhos, muito além do que Che jamais sonhou.

Em um dos muitos contatos documentados de uma hihihi com um membro masculino da comunidade local que ela visitava, na Andaluzia, as observações mostram que o homem a levou do aeroporto até o hotel de graça; carregou a sua mala; estrebuchou-se tentando falar espanglês. A garota hihihi respondeu a todas as indagações com aquele rosto de você-pode-fazer-tudo-comigo-porque-eu-nada-sei-do-mundo-mas-será-uma-covardia-porque-eu-sou-muito-fofa.

Aqui está meu telefone, disse o homem. Hihihi. Você pode me contatar a qualquer hora do dia ou da noite. Hihihi. Se você precisar de mim, é só ligar para este número. Hihihi. Você quer que eu carregue a sua mala de 40 quilos pelos cinco lances de escada? Hihihi.

E lá foi ela, segundo os registros, saltitando atrás do homem que parecia prestes a ter um enfarte. Quando chegou à porta do quarto do hotel, hihihi foi fechando-a na cara dele enquanto dizia docemente: hihihi.

Entrevistado logo depois, o homem se declarou encantado. Se tivesse chance, pretendia pedir a linda mãozinha da hihihi em casamento. Ela não precisaria nem entregá-la, já que as mãozonas do homem poderiam esmagar algo tão delicado. Ele já ficaria feliz para sempre se pudesse carregar a mala dela pelo mundo afora nas costas. Até que a morte (dele) os separasse.

Cinco minutos depois de o homem partir, hihihi saiu do quarto com sua câmera fotográfica e seus olhos esbugalhados. Era eu quem a observava. Em geral, são escolhidas fêmeas para a missão. Embora ainda seja um ponto controverso entre os cientistas, há evidências de que as mulheres sejam (um pouco) menos afetadas. Sobre mim, posso dizer que sou experiente. Ou era. Porque falhei miseravelmente.

Sempre priorizei a imparcialidade do meu trabalho e minha fama de durona. Por alguma razão — e não passa um dia sem que eu rememore a cena para tentar descobrir onde foi que me distrai —, deixei que ela me visse.

Hihihi. Foi tudo o que ela pronunciou.

Enquanto eu pensava se deveria me oferecer para carregar aquela câmera pesadíssima para ela, hihihi desapareceu junto com o elevador que eu tinha chamado. Ainda posso ouvir o som abafado e descendente que a levou para longe de mim.
Hihihi.

Desde então, não durmo mais. De saudades.