Como desbanquei Winnicott e revolucionei a psicanálise dos bebês

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Não sei se é um fenômeno localizado, mas ao meu redor todas as mulheres estão tentando gerar bebês ou esperando bebês ou parindo bebês ou amamentando bebês. Pensei que era uma reação atávica diante do aquecimento global, mas me disseram que isso acontece em períodos de estabilidade e/ou crescimento econômico. Culpa do Lula, como quase tudo. Aparentemente, nunca antes na história deste país houve tanta mulher barriguda ou querendo embarrigar. Bastiões até então inabaláveis como meu irmão do meio, que chamava bebês de “bípedes desplumados” até ontem, resolveu ter o seu aos 51 anos de idade. O cara costumava falar de nebulosas, de partículas subatômicas, e agora é capaz de descrever em detalhes uma cadeira de amamentação. E descreve, se não for impedido a tempo.

Nesta semana mesmo fui almoçar com duas amigas e, claro, uma está grávida e a outra amamentando. Enquanto segurava um lindo beibi macho no colo para a mãe poder comer seu spaghetti, eu tive de tomar uma garrafa de espumante sozinha porque nenhuma delas pode beber, o que afetou desgraçadamente o meu dia e também o dia seguinte. No meio do almoço outra amiga me ligou para me contar uma notícia urgente. Trocou de emprego?, perguntei, esperançosa. Não! Estou grávida. Claro, claro, meus parabéns. Menos uma para ir ao cinema, ao boteco, à Rua 25 de Março em busca de calor humano. Eu sei, é ridículo, mas estou com ciúmes dos bebês. De todos eles.

Foi com uma destas mães absolutas que comecei a desconfiar que algo não estava bem explicado na relação mamãe-bebê. Ela me ligou fungando: “Meu bebê não me ama”. Claro que ele te ama, eu disse. Na verdade, ele nem sabe que não é você, respondi toda witty. E ela, agora aos soluços. “Ele sabe, sim. Sou eu que não sei.” E a partir daí comecei a observar. E pronto, revolucionei a psicanálise dos bebês.

Você com certeza já ouviu falar da tese totalmente aceita de que o bebê leva um bom tempo para descobrir que a mãe é uma outra pessoa — e não um peito quentinho e cheio de leite que faz parte do seu corpo. Desde o século 20 que se acredita nisso. Mas a verdade é que Donald Winnicott, o psicanalista que melhor desenvolveu esta teoria, falhou miseravelmente. Depois de longa e atenta observação de espécimes humanos prenhes e em fase de lactação, posso afirmar que é exatamente o contrário. Minha amiga tinha toda a razão. É a mãe que não sabe que o bebê não é ela. Não faz parte do seu corpo, não é uma continuidade do seu peito. O bebê sabe perfeitamente.

Para mim, ficou muito claro em apenas umas poucas incursões a campo. Desde que passei a competir com estes seres roliços, banguelas e cheios de dobrinhas, que minha vida se tornou miserável. Eu tento. Você viu o último filme do Clint? “Ai, meu deus, está vazando leite.” Claro, como elas vão se importar com a vida do além se acabaram de dar à luz e estão se achando deus em pessoa?

Eu não desisto. Que horror o que aconteceu no Rio, não entendo como ninguém responde na Justiça por isso. “Fala a verdade, ele não é a cara do Jude Law?” Claro que não, mas eu minto.

Eu sou muito insistente. Estou com uma dor no peito, ou é uma crise de angina ou é angústia por fazer 45 anos em 2011. “Mexeu! Você viu? Bota a mão aqui na minha barriga a-go-ra.”

Eu sou obstinada. Encontrei o Russell Crowe num pagode ontem e fizemos sexo tântrico no mosteiro de São Bento enquanto os monges cantavam Abba. Ele até entendeu o meu inglês. “O pediatra achou melhor eu não dar a chupeta. Não por causa da dentição, mas porque depois é muito difícil tirar.” Qual é a relação, criatura, fora a escatológica? Desisto.

Como tenho muita resiliência, resolvi fazer do limão uma limonada ou algum clichê do gênero. Usei o sofrimento e o abandono a meu favor. E foi assim que desbanquei Winnicott e várias gerações de pensadores do comportamento humano com esta genial descoberta. Fui, inclusive, mais além. Busquei estudos antigos e constatei que algumas mães só se diferenciam dos seus bebês por volta dos 30 anos — deles.

Ou mesmo nunca. Sim, seus bochechudos ladrões de amigas fieis, de mulheres independentes e versáteis, eu sofro agora, mas vocês sofrerão depois. E por muito mais tempo. Segundo minhas mais recentes pesquisas, esta geração vai envelhecer tentando convencer suas bem intencionadas e modernas mamães que não, seu corpinho não lhes pertence. E que, sim, com 25 anos já pode pegar o ônibus sozinho. Titia vai estar lá, deitada no seu sofá azul, assistindo ao espetáculo da vida enquanto se afoga feliz numa garrafa de espumante.