Confissões de um pai temporão

Homem fica grávido de outro jeito – e também não é fácil

Deve ser culpa da faixa etária. Minha impressão é a de que estou cercada de barrigas por todos os lados. Depois de lidar com amigas grávidas das modalidades mais diversas – das militantes do parto natural às obstinadas pela cesárea, passei a ter uma solidária curiosidade pelos homens grávidos. Como deve ser tornar-se pai quando a sociedade e também as leis trabalhistas conspiram para fazer de você um coadjuvante? Aquele bebê só está lá naquela barriga por causa daquele pobre homem – e ninguém nem lembra. Reduzem-no a uma espécie de espermatozoide faz-tudo. Esperam dele que resolva todas as coisas práticas, da troca da lâmpada à pintura do quarto do bebê, porque elas, afinal, estão gerando. E por isso estão (mais) sensíveis e choronas e nessa fase todas as ofensas devem ser perdoadas como se fosse uma TPM de nove meses. E do pai da criança esperam ainda atenção, afeto, ouvidos, massagens nos pés e eventualmente trufas brancas do Piemonte na madrugada.

No meio dessa confusão, ele, no seu silêncio, precisa tornar-se pai sem poder confessar a ninguém que não tem a menor ideia de como fazer isso. Todos os cursos – pelo menos a maioria deles – são focados na mãe (eventualmente lhe explicam como ajudar na hora do parto ou pelo menos como não estorvar). Mesmo assim, este homem grávido comprou uma pilha de livros e tentará fazer o melhor possível. Mas, se parecer muito participativo, a mulher, a sogra e também as amigas vão reclamar que o fulano está achando que ele é quem está grávido. “Homens! Sempre tão fracos!” Se, ao contrário, ele tentar se manter invisível, pode ser acusado de omissão histórica. “Não adianta, filho é da mãe”. E assim caminha a humanidade, mesmo em tempos moderninhos.

Comecei a prestar atenção nestes espécimes esquecidos num canto do fascinante mundo da reprodução. E fiquei com vontade de conversar com um deles. Entre os homens grávidos que observo de perto neste momento, cinco se preparam para ter filhos entre os 45 e os 60 anos: dois jornalistas, dois cientistas (um biólogo e um físico) e um professor universitário. Convenci um deles a nos contar sobre dores e medos – e também sobre expectativas, alegrias e desejos. Ele demonstrou estar lidando bastante bem com as adversidades sociais – e também com as mudanças hormonais da parceira. Se a idade pode ser uma preocupação – e é, como veremos –, parece ajudá-lo bastante na hora de lidar com uma vida que chegará para mudar a sua para sempre.
Esta foi a nossa conversa.

– Você passou a maior parte da vida dizendo que não queria ser pai. Por que mudou de ideia? Ou, se não mudou, por que sentia necessidade de dizer isso?

– O que eu dizia é que ter filhos não estava na agenda e não era uma prioridade ou necessidade na minha vida. Acho que dava esta ênfase por duas razões. A primeira delas é que, como as mulheres “sempre” querem ter filhos, era melhor já ir preparando-as desde o início que comigo a coisa seria mais complicada. A outra é que somos educados para ter família e filhos. Nos libertarmos deste “trilho” exige, às vezes, exagerarmos no oposto. O fato é que eu mesmo não sabia se queria ou não ter filhos. A ideia de nunca ter filhos sempre me deixou muito inquieto. Mas não imaginava tê-los se não fosse com alguém com quem acreditasse que um filho pudesse ser um projeto comum. E esta talvez fosse a parte mais difícil.

Mais difícil do que imaginar ter filhos era – e sempre é – imaginar uma relação duradoura, estável, que “levasse” ao desejo de ter filhos. Outro aspecto é o tempo da coisa. Acho que estou tendo filhos na época certa. Corrijo: poderia ter tido com cinco ou dez anos menos, mas não antes. A razão é simples: o que eu queria fazer na vida – construir o meu espaço na minha área profissional, viver em diferentes países, viajar e me aventurar pelo mundo – não dava para fazer “em família”. E isso para mim era muito claro.

Por outro lado, acho que sempre me preparei para ter filhos. Sempre quis viver em torno de livros e, nos últimos dez anos, quando tive um pouco mais de dinheiro, comprei bastante. Muitos deles comprei sabendo que não leria. Eles comporiam uma espécie de biblioteca que eu gostaria de ter para quando tivesse de ajudar alguém – meu filho – a crescer. Poderia acontecer, ou não.

– Seu filho ainda não tem nome. Por que é tão difícil nomear um filho? O que é um nome, afinal?

– Pois é, eu nunca tinha pensado no assunto. Posso levantar várias razões. Uma, por exemplo, é o meu próprio nome. Um dos mais inúteis que conheço. Tenho um daqueles nomes que não é nome. Vira imediatamente apelido. Eu também nunca gostei de ser chamado pelo sobrenome. O cara do sobrenome é o meu pai, não eu. Os brasileiros têm o péssimo hábito de utilizar o sobrenome como forma de deferência. Eu sempre queria ser chamado pelo nome. Triste sina… Só consegui isso nos anos em que vivi no Exterior. Como meu nome era muito diferente nos países onde vivi, as pessoas acabavam me chamando por ele. Ao voltar para o Brasil, segui sendo chamado ou pelo apelido ou pelo sobrenome. Por isso, a escolha do nome é bem importante e difícil para mim.

Conversando com minha mulher – que me cobra o nome! – sobre o assunto, demonstrei a inutilidade do meu nome: perguntei quantas pessoas ela conhecia que eram chamadas por ele, apesar de ser o nome de muita gente. Resposta: nenhuma. No entanto, é um dos nomes mais comuns do Brasil. É tão comum que as pessoas preferem utilizar o segundo nome ou o sobrenome ou o apelido. A outra é que os meus apelidos, até os 18 anos, foram sempre pejorativos, relacionados a supostos defeitos físicos. Tenho procurado um nome que seja fácil e gostoso de usar, para diminuir a chance do apelido. Talvez se fosse menina seria mais fácil.

A outra razão da dificuldade de escolher um nome é a de que procuro um que eu identifique com meu filho. E como para mim – nós – a criança é realmente um projeto comum, gostaria que eu e minha mulher encontrássemos um nome que ambos identificássemos com o menino. Hoje, com a supertecnologia do ultrassom 3D já conhecemos até a carinha… Mas isso, a identificação, é provavelmente impossível.

Primeiro, identificação é algo muito pessoal, quase impossível de acontecer simultaneamente com o mesmo nome para os dois – e certamente não pelas mesmas razões. Além disso, eu e minha mulher somos muito diferentes. Recentemente, ela leu algo em um dos vários livros que estamos lendo. Que é melhor dar logo o nome porque ele sempre será estranho – e a identificação virá com o tempo e o uso. Acho que é por aí mesmo… Mas confesso que não entendo a urgência de dar o nome.

Como mulher, sempre me pareceu apavorante ser homem, no sentido sexual e reprodutivo. No sexual, porque nunca se pode fingir. No reprodutivo, porque eu acharia difícil acreditar que a mulher com quem eu estivesse tendo um caso ou mesmo uma relação estável estivesse fazendo tudo certo para não engravidar. Ela poderia “esquecer” de tomar a pílula, por exemplo, até inconscientemente. Esta possibilidade de botar outro ser no mundo por uma vontade alheia à minha sempre me pareceu assustadora. Enfim, a falta de controle dos homens sobre a reprodução. Como é isso para você?

– Ah, essa é fácil. Na questão sexual, eu considero o orgasmo superestimado. Para mim, o melhor método anticoncepcional sempre foi a criatividade. Acho que pude compartilhar isso com as mulheres que conheci. Costumava dizer que, se na primeira vez que alguém transa com uma mulher o sexo durou menos de cinco horas, então foi uma porcaria. Como é possível ter uma relação sexual com uma pessoa que não conhece na intimidade em menos de cinco horas? Não há a menor chance de conhecê-la! Sexo nada mais é do que parte do diálogo a dois. Então, essa questão de fingir ou não nunca me preocupou. E sempre procurei deixar isso claro para a parceira. O importante era nos divertirmos e nos conhecermos. E, muito importante, nunca terminar no orgasmo! Talvez por isso eu tivesse mais sucesso com as mulheres no depois do que no antes… (risos). Mas, muito mais interessante, é ficar brincando com o prazer.

Bom, quanto à questão da reprodução, não tive esse problema. Sempre li muito e sabia que reduzia as probabilidades de uma gravidez indesejada enormemente se usasse dois métodos anticoncepcionais ao mesmo tempo. E, em geral, sempre foi o que fiz, ambos sob o meu controle. Mas, para isso, a criatividade tem de estar mesmo funcionando. Então, o medo da gravidez nunca me preocupou. Nunca abandonei a premissa de ter o controle. Como disse, algumas vezes a parceira reclamava um pouco – “se entrega, etc…”. Mas sempre achei que tudo se resolve com criatividade.

De novo, como mulher, sempre me pareceu muito difícil ser homem e “estar grávido”, exatamente por estas aspas. Você é pai, aquele feto só está naquele útero por causa de você também, mas é como se a sua participação fosse menor. E, de novo, você fica nas mãos de outra pessoa, que, quando você tem sorte, é a mulher que você ama. Mas, ainda assim, você está à mercê de uma outra pessoa que pode ou não cuidar bem do filho que também é seu, mas que está dentro de um outro. E de alguém que às vezes fica meio pirada na gravidez. Como é isso para você?

– Não tenho nenhum dilema com isso. Em parte porque sempre procurei me dissociar da ideia de “o filho pertencer aos pais”. E também porque a adoção sempre esteve na agenda, caso a decisão de ter filhos fosse tomada. A gravidez, claro, é parte do processo, caso esta for a via de ter filhos. E eu procuro participar ativamente. Mas não tenho nenhum problema quanto à minha participação e tal, talvez porque procure pensar na criança como um ser próprio e dissociar essa “ligação genética”. Nunca gostei da ideia de “me parecer com fulano” ou coisa assim. Como no nosso caso o projeto é realmente comum, a participação e cuidados com a gestação têm sido de ambos e acho que está funcionando. Claro, às vezes a gente tem vontade de dar uns cascudos pela teimosia, especialmente com relação à alimentação, mas em geral tem corrido bem. E não, não sinto falta de estar grávido de fato.

– E então tudo que é também você e veio de você se desenvolve num mundo que é dentro dela. E você pode no máximo falar com a barriga, mas você não sente seu filho se movendo dentro de você, se alimentando de você. Pode ser um alívio, mas me parece que para muitos homens não é. Você inveja essa relação que, neste momento específico, só pode acompanhar como coadjuvante?

– Novamente, não. Tenho procurado falar com o bebê, participar e tal. Hoje sabemos que o bebê acostuma-se com a voz. Ele terá necessariamente uma ligação mais forte com a mãe, a quem conhece e cuja voz ouve o tempo todo. Mas procuro fazer com que ele conheça também a minha. Claro, ele não tem memória nem rede neural propriamente formada para saber o que está acontecendo, mas tem o suficiente para estabelecer a identificação depois do parto. E isso é importante para ele, para se sentir seguro depois de nascer. Procuramos fazer isso juntos. E, claro, a mãe sempre será mais próxima nesse estágio. Mas isso para mim é tranquilo.

– Você gostaria de parir?

– Não. Mas, se fosse possível, acho que me ofereceria neste caso. Explico: faremos de tudo para termos um parto natural, o que hoje é uma verdadeira façanha no Brasil, embora seja corriqueiro na Europa, onde vivi boa parte da minha vida adulta. Acredito que eu seja mais resistente à dor do que ela – ou pelo menos acho que sou, já que sofri muitos acidentes e cirurgias e longas recuperações. Minha mulher não. Por isso, acho que teria condições de passar pelo processo com mais segurança. Então, se fosse possível, eu faria essa parte. Mas só por isso. Mas vamos entender bem: não abro mão de estar participando tão ativamente quanto possível do parto. O parto é nosso – mas sem ilusões quanto à extensão do meu papel.

– E depois, aquele bebê nasce, mas ainda é a mulher que o alimenta. Ainda é “dela”. Você é um coadjuvante – e às vezes mal falado – que não é reconhecido nem pelas leis trabalhistas, que dão apenas cinco dias para o pai e quatro ou seis meses para a mãe. Como é ser tratado pela natureza e pela sociedade como coadjuvante naquilo que talvez seja a realização mais importante da sua vida?

– Ah, isso sim. É necessária uma lei de licença paternidade decente. Sou fascinado pela Suécia. Ou pela minha imagem da Suécia. Nem sei se é isso mesmo, mas ouvi falar que lá a licença é de um ano, podendo ser dividida entre o casal, como quiserem. Mas meu tipo de trabalho e a minha situação profissional me permitem dedicar um tempo decente à paternidade. E tenho a firme intenção de realizá-la. Espero participar tanto quanto possível. Não posso amamentar, mas certamente o resto todo eu posso. Agora, a lei brasileira é ridícula, como muitas leis neste país são. Como tive um cargo de direção, vivi a experiência de discutir com sindicatos. Nunca vi eles solicitarem licença paternidade – já a extensão da licença maternidade, sim. Sempre pediam creche e tal – e também esqueciam de dizer que devia valer para aos pais também. No meu caso, era a direção que insistia para incluir os pais. Então, não é um problema da lei brasileira, mas da sociedade brasileira. Do machismo que permeia fortemente ainda a nossa sociedade, mesmo entre os que se acham “esclarecidos” ou “na vanguarda”…

Novamente, meu status profissional me permite contornar parcialmente isso. Sempre quis que fosse assim. Por isso, ter filhos era algo a ser muito pensado e cuidadosamente esperado. Não podia ser feito na época em que meu trabalho era mais intenso. Ou na época em que tive de viver uma outra vida. Cada coisa no seu tempo. Estar agora com minha parte profissional bem resolvida é muito importante. Claro que poderia ter acontecido também em outra época. Seria mais caótico, mas a vida é o que ela é e o que a gente vive, não o que a gente planeja – ainda bem! Então, de uma forma ou de outra, acho que seria assim mesmo, com grande participação. Ou, com certeza, exceto onde a natureza impede, com igual participação. E sempre procurando compensar os limites impostos ao homem pela natureza.

Veja, eu sou excessivamente preocupado com a inteligência, com a consciência, com o cérebro. Hoje sabemos que o código genético não é capaz de determinar a rede neural. Isso significa que, mesmo que dois gênios tenham um filho, o que não é o nosso caso, ele não será um gênio por causa disso. Essa parte é amplamente influenciada e determinada pelos estímulos externos, em todas e em cada fase da vida. Minha maior preocupação é justamente estar amplamente presente em todas essas fases. E isso eu acho que posso. E será algo a dois, três… muitos participantes.

– É muito difícil aguentar uma mulher grávida? Quais são as suas estratégias?

– Acho que cada caso é um caso. Não tivemos muitos problemas. O maior, acho, foi a dificuldade de a minha mulher aceitar a redução de sua capacidade de trabalho e aceitar que não poderia fazer todas as coisas como antes. Não havia nenhum problema em ampliar minha participação nas tarefas caseiras, que normalmente já são meio a meio, para deixá-la mais concentrada em “carregar o bebê”. Mas, fora isso, não foi complicado. Ah, sim, há sempre uma preocupação de querer saber se o bebê está bem… ambos temos essa preocupação. E, com as nossas idades, isso pesou. Mas, estratégia mesmo, acho que nenhuma. Não lido como se fosse uma situação ímpar. Assumo as outras tarefas com mais empenho, para compensar o fato do que não posso fazer: estar grávido. Mas não acho que tenho de tratar como se fosse uma situação excepcional, no sentido das carências. Tenho ou procuro dar atenção a isso, mas sem exageros.

– Como é o sexo na gravidez? Dizem que as grávidas ficam mais interessadas, é verdade ou é lenda urbana?

– Bem, só acredito em estatísticas… e não acredito que poderei ter uma amostragem pessoal suficiente nessa área (risos). No nosso caso, não fez muita diferença. Exceto, é claro, a limitação física e os cuidados para não machucar o bebê. Confesso que tenho uma grande preocupação em não machucá-lo, embora toda leitura garanta que não há motivos para essa preocupação. Acho que estou lendo demais sobre bebês…

– O que você pensa quando olha para a sua mulher, toda enroladinha no sofá, conversando com seu filho dentro da barriga como se você não existisse?

– Normal. Mesmo porque muitas vezes nós dois conversamos com o bebê. Como já disse, acostumá-lo com a minha voz também é algo que julgamos importante. Então, eu falo também com o bebê, sempre que posso. Bem, às vezes ela se esquece do resto do mundo – por exemplo, no meio do almoço em um restaurante… Aí fica meio exótico… Mas, nos dias de hoje, com celular com fone de ouvido, ver alguém andando e falando sozinho na rua, no shopping, virou uma cena corriqueira… Então…

– Como você acha que sua mulher enxerga você? E por que ela escolheu você para ser pai do filho que desejava ter?

– No nosso caso, ela não tinha muita escolha por causa da idade. Ou era eu ou não era. (risos) Acho que ela gosta porque sou um homem participativo. Talvez até demais, não sei ao certo. A escolha dela – e não só dela, porque essa questão permeou todas ou quase todas as minhas outras relações – de me ter como pai do seu filho vem da estabilidade emocional, financeira, intelectual, etc. Acho que as mulheres – a atual e as ex – veem em mim uma certa segurança para a maternidade que consideram importante. E também percebem a minha tranquilidade. Não falo alto nem perco a calma facilmente. Isso deve contar. É o que imagino – e tenho ouvido.

Mas acho realmente que a escolha foi muito mais dela querer ser mãe. Sinceramente, acho que, nesta hora, o pai não é tão importante para a mãe. É, claro que é, mas vem depois da escolha de ser mãe. Muito diferente de mim, que primeiro achava que tinha de ter a parceira e encontrar uma identidade suficiente para só então considerar a possibilidade de ser pai. Acho que aí está a principal diferença entre quem realiza a gestação e quem assiste a gestação – assistir no sentido de dar assistência.

– Saber que vai ser pai mudou o que na sua vida? Você sente que é outro?

– Totalmente. Foi uma escolha de curso de vida. No estágio em que eu estava, concluindo uma etapa da minha vida profissional, existiam várias opções. Fazer um sabático em outro país, buscar novos caminhos, etc. A escolha foi ser pai. E isso determinou muitas coisas. Não elimina outras atividades, é claro. Mas determina a prioridade. E, considerando meu tipo de trabalho, que requer muito de mim, isso impõe restrições a outras atividades. Pelo menos vejo assim e acho que no início estou pronto para que seja assim. Ou seja, investir em um grande projeto profissional ou algo equivalente só depois de a paternidade se consolidar, isto é, só depois de saber quanto tempo terei para me dedicar à pesquisa. Veja bem, não estou abdicando. Apenas estabelecendo a prioridade. Um privilégio da idade, claro.

– Você tem medo de ser pai? Imagino que qualquer homem saudável tenha…

– Não gosto da palavra “medo”, mas vamos utilizá-la. Sim, sempre se tem. Cada filho é um “experimento” único. Não dá pra refazer. Mas tenho bastante confiança no que posso oferecer. Então, confesso que não tenho tanto medo assim.

– O que mais dá medo ao pensar em botar um filho no mundo?

– Minha maior preocupação sem dúvida é se serei capaz de oferecer a ele os instrumentos necessários para que possa ter a sua vida, vivê-la em sua plenitude. Explico. Estamos num mundo globalizado. E minha profissão é totalmente internacional. O que me leva a ver as coisas de forma mundial. Nós estamos em um país com sérias deficiências sociais em todas as áreas. Por exemplo, a escola pública, aquela que permite realmente uma formação ampla, em termos intelectuais, sociais e psicológicos… é um desastre no Brasil. A escola privada não melhora tanto assim a parte intelectual quando pensamos em termos internacionais e falha completamente no social. Espero poder compensar isso, mas não tenho ilusões. Sei as enormes diferenças entre o que posso oferecer aqui e o que poderia em um país desenvolvido. E essa diferença é uma das coisas que mais me preocupa.

A outra, sem dúvida, é saber até onde vão os limites da educação sem desrespeitar a individualidade dele. Ele terá sua vida e a viverá. Sei disso. Mas temos a forte tendência de viver a vida da pessoa que amamos. E de senti-la também. Mas sentimos como sentimos nós e não como ele sente, e aí começa o problema. Vou sentir certas dores que não são dores para ele, mas opções. O quanto saberei respeitar isso ou, mais difícil ainda, o quanto poderei distinguir o que é respeitar e o que talvez seja leniência – ou, ao contrário, na situação oposta, autoridade excessiva. Isso é o que mais me preocupa. Sei que não há resposta para isso, ela será construída no cotidiano. Sei que meu filho não será eu – e isso nunca imaginei que fosse nem quero. Mas ele poderá ter não só opiniões diferentes, mas até mesmo uma outra ética. Aceitar isso… não deve ser fácil para ninguém.

– Eu gostaria de insistir um pouco mais em saber qual é seu maior temor ao ter um filho…

– Tentarei então resumir. Acho que o maior temor é deixar meu filho passar por/fazer algo que depois ele se arrependa, mas que deixe marcas irreversíveis – e eu não consegui impedir que acontecesse. Ainda sabemos que o que se inculca numa criança fica provavelmente para sempre – e ela terá enormes dificuldades para contornar/superar mesmo que deseje ou tenha instrumentos para fazê-lo. A responsabilidade é enorme. Não gostaria de “marcá-lo” com nada que não sejam valores universais. Mas nem sabemos o que é isso direito. E será isso suficiente? Então, é difícil achar o equilíbrio entre aquilo que deve ser transmitido e aquilo que apenas devemos nos esforçar para prepará-lo para buscar suas próprias respostas. Não é fácil.

Outra coisa seria a morte. Uma das maiores sacanagens nas histórias pessoais é um pai e uma mãe terem de enterrar os filhos. Mas conto com minha idade para que isso não aconteça (risos).

Ter um filho é escolher uma relação que, mesmo que um dia você queira, jamais será rompida. Pode existir pai canalha, filho psicopata, mas não existe nem ex-pai nem ex-filho. Pai é para sempre. Filho é para sempre. Isso é assustador?

– Sem dúvida. E no meu caso mais ainda. Com a idade que eu tenho, uma das coisas que mais pesava na decisão de ter filhos é que ele realmente seria pra sempre! O que também significa que ele terá um pai velho muito cedo, e isso me preocupa por ele. Não será bom para ele. Farei o possível para retardar essa decadência física e mental me exercitando e me alimentando bem, mas acontecerá. E cedo, para ele. Mas, no meu caso, vivi minha vida em grande plenitude – pelo menos eu acho isso – e agora posso me dedicar a ter um filho – mesmo para sempre… Atenção, não estou abdicando do resto. Apenas sei que não exercerei as outras opções da vida com a intensidade que fiz até agora.

– Acho que a gente sempre tem medo de falhar, em tudo na vida, até nas mínimas coisas ronda este fantasma de não conseguir. Você teme falhar como pai?

– Não sei se isso seria falhar como pai, mas acho que sim. Meu temor é não poder dar a ele as condições que ele precisa para enfrentar a vida. Em todos os sentidos: afetivo, segurança, formação, etc. E, ao mesmo tempo, tentar evitar ao máximo a necessidade que todo o filho tem de “matar o pai”. Bem, acho que é impossível evitar isso simbolicamente, né? Ser pai sem ser excessivamente pai ou ser pouco pai, impossível acertar, mesmo porque não existe um acertar. Sim, acho inevitável ter essa preocupação… que nos ronda o tempo todo.

Por outro lado, aprendi a viver com meus erros. Ao dirigir uma grande empresa de pesquisa de ponta, com mais de 100 funcionários, eu sabia que erraria, e tinha de lidar com isso sem deixar de continuar a fazer o meu trabalho. E às vezes nem mesmo sabemos quando erramos porque simplesmente precisamos fazer escolhas. E em cada decisão há sempre o risco de que, embora a escolha que fazemos pareça a melhor, a prática mostre que não seja. Com certeza, sendo pai, isso também acontecerá. O tempo inteiro. E isso não é fácil, mas terá de ser vivido.

– Qual é o seu desejo para este filho? Mesmo que você se prepare para respeitar os desejos futuros deste filho, nenhum filho existe sem que antes exista o desejo dos pais. Qual é o seu desejo de pai para este filho?

– Que ele adquira os instrumentos necessários para viver plenamente a vida. E isso significa também que ele possa se libertar da família e da figura paterna quando julgar necessário. E tenha os instrumentos para enfrentar um mundo cada vez mais dinâmico e incerto. Que viva sua vida. E gostaria que, quando adulto, possamos ser amigos – se eu já não estiver senil, claro.

– Foi importante saber que era um homem? Seria diferente se fosse uma mulher?

– Sim, seria. Mas não no sentido de gerar um filho como eu. Realmente, essa percepção eu não tenho. Não sei como será se ele se parecer comigo, mas realmente não procuro nem imagino essa identificação. Quando imagino meu filho, realmente imagino muitas coisas, mas certamente não o imagino sendo como eu. Além do mais, as situações que ele viverá serão tão diferentes das que vivi quando criança que não vejo como poderia haver esse tipo de identificação – espero que a genética não me surpreenda! Conto com o “nurture” para se contrapor ao “nature” – ou melhor, que a criação/educação se contraponha à natureza.

– Nós, que estamos entre os 40 e poucos e os 50 e poucos fomos gerados com uma grande expectativa para o futuro. Agora, geramos filhos para um futuro que vislumbramos com aquecimento global, mudanças climáticas catastróficas, acidentes nucleares e até o suposto fim da espécie em algum ponto lá na frente. Não parece ser um futuro muito interessante para oferecer a um filho. Isso te preocupa?

– Esta, sem dúvida, é uma preocupação. Mas não tanto. Mais que isso, é a dinâmica da sociedade, em muito devido ao forte componente da tecnologia de comunicações. Isso exige uma adaptação do indivíduo quase permanente, algo que nunca foi testado – ou melhor, não evoluímos dessa forma. Muitas das nossas adaptações revelaram-se úteis para outras coisas que surgiram ao longo dos tempos. Talvez tenhamos a necessária maquinaria para enfrentarmos isso também. Mas não sabemos ainda. Do ponto de vista antropológico, é muito interessante. Do ponto de vista de um pai pode ser preocupante. Mas não mais que isso. As questões climáticas e outras virão lentamente. A vida continua e nos adaptaremos. Não acho que isso seja um problema. Do contrário estaríamos optando por terminar com a espécie, algo que não acho interessante. Ainda produzimos coisas bem instigantes… Por outro lado, talvez tenhamos hoje muito mais consciência de que é necessário espaço para todas as espécies, se quisermos que elas sobrevivam à nossa presença, e talvez possamos construir algo melhor. De qualquer forma, é impossível prever algo, ainda mais nos dias de hoje.

Olhando friamente, acho o passado mais preocupante – se tivesse que vivê-lo – do que o futuro… Veja, há um século a expectativa de vida no Brasil estava em torno dos 45 anos, hoje é de uns 73… No mundo todo, em geral, vive-se melhor. É fato que temos problemas sérios e novos pela frente, mas acho que a bonança só ocorreu mesmo entre os anos 60 e 80. E isso talvez tenha marcado a geração de nossos pais e a nossa. Mas, se olharmos para trás, as coisas nunca foram fáceis.

A vida continua. Outros desafios, novos conhecimentos. Adoraria estar aqui daqui a 100, 200 anos nem que fosse apenas para aprender o que saberemos… não espero que a civilização ande para trás, globalmente falando. Pelo menos não nesse curto tempo da vida do meu filho.

– Há muitas críticas com relação à educação atual, especialmente a de que estamos criando pequenos déspotas que mandam em pais infantilizados. Como você vê isso? E como pretende educar seu filho?

– Sim, acho que cometemos sérios erros. Mas não para se voltar ao que era antes – e o que era? Sinceramente, tenho a esperança – ilusão? – de ser amigo de meu filho. E é como pretendo criá-lo. Mas não sei exatamente o que isso significa. Essencialmente, ele tem de sentir que tem uma proteção/segurança em mim. E que, por um tempo, pelo menos, eu tenho algum conhecimento que ele pode aprender, usufruir. Mas… naquilo que for irreversível – drogas, legais ou ilegais, crack, por exemplo, etc –, acho que imporei uma autoridade definitiva baseada na seguinte premissa: o que for irreversível – dano cerebral irreversível –, enquanto puder eu impedirei. Depois que ele for adulto, quando ganhar a vida com seu dinheiro, aí eu estarei ao lado para ajudar se necessário. Mas deixarei essa autoridade de lado. Complicado. Espero que isso possa ser resolvido com diálogo, compreensão, entendimento… mas sei que tudo pode acontecer. E sei que saberei da vida dele… alguma coisa, não mais.

– O que é ter um filho para você?

– Não sei se sei responder. Certamente, é o início de uma grande aventura, de longo prazo – para sempre, né?! –, que exigirá muito de mim, em todos os aspectos. Mas não saberia dizer mais do que isso. Sinceramente, não vejo em um filho a minha continuidade… acho que trabalhei muito essa questão e realmente sinto que, para mim, a continuidade, se isso quer dizer algo, estará em tudo em que estive, trabalhei, etc. Não tenho a preocupação de ter essa expectativa para meu filho. E acho isso positivo. Principalmente se ele perceber que não espero dele outra coisa que não seja que ele viva sua vida. Meu filho será alguém a quem poderei tentar dar tudo o que sei. Mas ele aproveitará só o que quiser.

– O que é ser pai para você?

– Acho que será algo fascinante. Único. E fará a vida extremamente interessante e rica. Um aspecto ainda não vivido. Espero ser bem sucedido em enriquecê-lo com minha experiência, ajudando a abrir caminhos para ele. Mas ser pai também é ser companheiro. É um projeto a dois, e certamente para mim, ser pai sempre foi também ganhar uma outra dimensão na relação com minha mulher. Um fascínio a mais. E acho que isso já estamos conhecendo.

– Como você se prepara para ser pai?

– Como disse antes, eu acho que sempre me preparei. Sempre imaginei transmitir tudo o que sei e tenho para alguém. Mas, mais especificamente, lendo, abrindo espaço temporal na minha vida para ele, procurando desenvolver um ambiente de amor e tranquilidade em casa. Procuro ler muito. Tenho acesso à literatura e, pela profissão, lido bem com o jargão científico. Hoje sabemos muito como funcionamos. Espero que isso ajude.

Posso acrescentar uma síntese do que é ser pai?

– Pode, claro.

– Hoje, sabemos que o DNA não possui informação suficiente para formar a rede neural de uma pessoa. Ela é formada a partir de um primeiro input genético, pelas interações do indivíduo com o meio, começando já na gestação e indo até o início dos nossos 20 anos. Bem, ainda sobra alguma coisa, mas o essencial aconteceu neste período. Por isso somos indivíduos únicos, somos a nossa história. Acho que ser pai é criar e oferecer as melhores oportunidades para que o filho possa viver a sua história – uma história rica, intensa, vivida em toda sua plenitude. Ser pai é ser um guia, um instrutor, que aos poucos vai deixando-o cada vez mais senhor de sua própria história. Até que, lá pelos 20 anos, esse “mestre” possa se transformar em um amigo, talvez até parceiro dessa história – mesmo que distante, como observador, o que for. E sempre um referencial, como todo “mestre”, no qual ele possa se inspirar ou buscar uma “presença”, se necessário.

– E como você vai criar seu filho para ser homem numa época em que não se sabe muito bem o que é ser homem ou que se pode ser homem de várias maneiras?

– Bem, eu acho que sei o que é ser um homem moderno… (risos) Lembro que na época da graduação, por ocasião da leitura de um livro italiano que eu tinha introduzido no nosso meio de estudantes de esquerda que ainda tinham a ilusão de propor uma nova sociedade, com novos papéis para o homem e a mulher, as feministas do grupo procuraram definir quem, entre nós, era aquele que mais se aproximava do que elas consideravam o “novo homem”. E apontaram um colega que ainda não tinha se assumido plenamente como gay, mas que era e assim que lhe foi possível assumiu e hoje está casado com outro homem. Bem, isso foi no início dos anos 80, em uma certa vanguarda. Acho que ainda não se sabe o que é o novo homem, mas não se saberá se não soubermos também o que é a nova mulher. E esta também é uma questão mal resolvida.

– O que você sentiu quando soube que seria pai? E o que sentiu quando viu a imagem no ultrassom?

– A gente teve que planejar. Idade… sabe como é. Então, foi um alívio saber que dava para engravidar e deu. Mas acho que o grande momento foi o ultrassom. Você vê, e é aquela coisa, ver para crer, não sei. Talvez o visual seja muito importante para nós humanos. O fato é que vê-lo pela primeira vez no ultrassom foi algo muito emocionante, inesquecível. Acho que parte daquela sensação de antigamente de vê-lo pela primeira vez no nascimento foi sentida ali. Bem, tenho de esperar nascer para daí ver como fica… comparar, etc.

– No que você quer ser diferente, como pai, do seu próprio pai?

– Hum… não penso muito nesses termos… acho que procuro mais é o que tive, que foi muito importante para mim e que gostaria de dar também. Por exemplo, sempre tive muito orgulho dos meus pais, do trabalho deles, da forma como viam suas vidas e carreiras. Da forma como lidaram com a época política da ditadura, da sua integridade. Nascer cercado de livros… lembro que, pré-adolescente, não tinha o que fazer nas longas férias de verão e meu pai me deu para ler um livro sobre os grandes cientistas, depois sobre os grandes estadistas… aquilo sempre foi muito forte para mim. Ler. A generosidade foi uma característica dele que eu sempre senti muito forte e me marcou.
Diferente? Meus pais não tiveram as oportunidades que eu tive. Mas permitiram que eu as tivesse. Tenho uma visão cosmopolita, uma vida bastante internacional. Acho que posso oferecer isso a mais. Mas vejo isso como uma continuidade. Talvez o lado mais “hereditário” que sinto, de passar de geração para geração, seja este: o conhecimento que se adquire, se acumula, se amplia.

Mas acho que a grande diferença é a proximidade, mais em nível pessoal. Para meu pai, por diversos fatores, isso sempre foi mais difícil. Acho que será mais fácil para mim. E, novamente, por estar no atual estágio de carreira/vida, posso me permitir e espero estar mais próximo do meu filho, em todos os instantes. Aiaiaiaiai… e se ele odiar isso?!

(Publicado na Revista Época em 21/03/2011)