Chico Buarque é traição?

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Há um debate recorrente lá em casa. Eu e meu marido não conseguimos chegar a uma conclusão definitiva sobre o que é ou não traição. Por exemplo. Para mim, é óbvio (u)lulante que Hugh Jackman, Johnny Depp e Russell Crowe não constituem traição. Eu, de minha parte, libero totalmente o João no caso de tropeçar na Monica Bellucci, Scarlett Johansson e Penélope Cruz. Ou mesmo com os peitos da Salma Hayek. O problema é quando chegamos à geografia nacional. Ou seja, ao território não propriamente do possível, mas também não tão impossível assim. Vai que…

Desde o início do casamento ele posa de magnânimo com a seguinte afirmação: “Oquei, Chico Buarque não é traição”. Ora, eu amo o Chico Buarque. Para mim, ele e o Laerte são os dois gênios com quem tenho a honra de compartilhar o mesmo tempo histórico. Na desordem do armário embutido meu paletó enlaça o teu vestido e meu sapato ainda pisa no teu é talvez a frase mais bonita da língua portuguesa. Se eu tivesse escrito só esta já rolaria de alegria até o fim dos meus dias, sem tentar cometer mais nenhuma para não correr o risco de estragar.

Mas a verdade é que o Chico não mexe com os meus instintos mais primitivos. Eu sei que é uma heresia, mas a gente não escolhe essas coisas. Sente ou não sente. E eu não sinto pelo Chico Buarque. Acho aqueles olhos de ardósia bonitinhos, mas nunca vi uma ardósia. E o fato é que há três anos tento trocar o Chico Buarque pelo Wagner Moura, mas o João se mantém irredutível. Chico não é traição. Wagner Moura é traição. E eu sonhando com o Wagner me dizendo pede pra sair.

Em represália, tirei a Alessandra Negrini da lista dele. Mantive apenas a Hebe Camargo. Dercy Gonçalves também pode. Ah… morreu? Sabia não, que pena… Pois então. Hebe Camargo não é traição. Alessandra Negrini é.

Um tormento, um tormento. Vá que…. eu encontre o Wagner Moura bêbado por aí e vou ter de dizer: “Nascimento, o sistema é foda mermão”. Putz, depois dessa só saindo correndo. “Perdeu, playboy.” Jamais me perdoaria.

O fato é que estávamos nessa discussão das mais relevantes na noite de ontem, quando eu acabei adormecendo no sofá azul. E não é que sonhei com o Chico Buarque? Eu estava em Paris fazendo não lembro o que, mas ninguém precisa de motivo para estar em Paris. Era algum evento, com certeza. Porque estávamos eu e Chico, Chico e eu, saracoteando por lá. E não é que o Chico se engraça comigo?

E eu no meu sonho, toda soltinha, pensando. Hum, Chico Buarque não é traição. Ainda bem que eu não o troquei pelo Wagner Moura. E em seguida: Oui, Chicô. Chicô me disse coisas lindas na orelha, mais lindas ainda que meu paletó enlaça o teu vestido, mas não consigo lembrar. Lembro bem que ele estava nesse ponto, dizendo o quanto eu era maravilhosa enquanto fazia rolinhos no meu pescoço, quando algo entra no meu sonho.

Uma voz. Não é possível! Sim, é possível. Uma voz de marido. Eu só dizia não, não, volta já para o Brasil que Chico Buarque não é traição. E o João me convencendo a dormir na cama. Me agarrei ao sonho como se disso dependesse o futuro do periquito da estepe e caminhei de olhos fechados até o quarto. Tentei buscar o sonho de volta. Uma luta e vai e quase acordo e me recuso e vai. E durmo de novo. E hum… rolinhos no meu pescoço, sim, eu sei, sou maravilhosa e não, não sei como você nunca me viu antes por aqui….

Viro ronronando pra dar um beijo… Rom-rom, fist-fist. E é o Zeca Pagodinho!

Acordo berrando, que nem personagem de filme. Já reparou como personagem de filme acorda sentado, berrando e suando? No dia seguinte tirei até a Hebe da lista dele. E, por via das dúvidas, a Dercy também. Vai que…